quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Rescaldo a frio

  Uma semana para esquecer.
  Depois da tirada de sábado passado, a ordem era para manter. No entanto só terça-feira houve exercício e ainda neste momento vejo-me parado contra vontade.
 
   No que respeita ao Tróia-Sagres deu-se um pouco de tudo.
   Alvorada às 04:30h da manhã, barco para Tróia às 06:15h, partida rumo a Sagres às 07:00h.
   O frio do barco e o escuro da noite proporcionaram os primeiros arrepios e incertezas. Será que calções fora demasiado arrojado? E mais uma peça de roupa para o tronco? E não ter levado luzes não terá sido má opção?
   Meia-hora depois pedalava-se a bom ritmo num pelotão aguerrido com apetite voraz por kilometros e foi num passo, ou neste caso numa pedalada, que nos pusemos no Pinheiro da Cruz.
   Rolar em pelotão tinha as suas vantagens, principalmente no que respeita a resguardo contra o vento, o famoso cone de ar, mas retirava grande parte (a maioria) do prazer da coisa. Na minha ideia, esta era uma aventura para se fazer na paz e sossego que me apetecesse, sem grandes pressas. Por esse motivo descolei do grupo, ao que me acompanharam barbosa o corredor e turtle.
 
   As dúvidas iniciais deram lugar a uma certeza: ter um impermeável era imperativo. Na eterna recta de Sto André - Sines, a chuva caia veementemente. Nada que desmoralizasse e não fosse ter ocorrido um furo nem teriamos dado por ela.

    Estrada abaixo foi-se dando um misto de sentimentos com o cérebro a saltitar entre pessimismo-optimismo, dores nas costas-prazer de pedalar, dor nas pernas-prazer de pedalar, dor em todo o lado-prazer de pedalar. Nesta alegoria toda aos variados estados de espírito, entre uma golada de hidratação e uma dentada alimentar, terei feito uma viagem no tempo e só depois de Mil Fontes parámos novamente por causa de... um furo, uma tendência que custo em abandonar.
    Por coincidência combinara-se neste local encontro com o carro de apoio precisamente às 11:00h. Mas carro de apoio nem vê-lo. Só meia-hora depois houve lugar a engolir uma "sande" enquanto remendava um pneu, e atestavamos comida e bebida nos bolsos e bidons.
 
    A quantidade de ciclistas por todo o caminho foi uma constante. Grandes "bandos", pequenos, solitários, todos seguiam a seu ritmo.
    Compreendo que viajar de automóvel naquele dia e naquela estrada não foi de certo agradável para quem se viu apanhado por este tsunami bicicleteiro.
 
    O turtle ia puxando o ritmo, ao passo que barbosa e eu "puxávamos pela corda" para que ele abrandasse.
    Neste momento tudo fluia com naturalidade. As pernas mexiam-se por si. A cabeça seguia no seu trâmite racional-irracional habitual, anestesiada pela febre da libertação hormonal de tamanha satisfação que seria chegar ao fim.
   Nisto, e em boleia de um grande grupo que apanháramos entretanto, barbosa o corredor falha uma curva e segue numa estrada só dele. Gritei, gritámos eu e turtle, gritou todo o pelotão. Mas barbosa o corredor corria já solto para outras paragens.. Deixá-lo ir quando vi no gps que o caminho unificar-se-ia mais adiante. E nunca mais o vimos.

    O melhor estava reservado para o fim. Uma subida em S. Teotónio feita em potência, outra perto de Aljezur e depois descer já para o Algarve foi algo que veio quebrar a rotina e dar um novo folego ao agora duo do pedal.
   Talvez por isso os últimos 30 km foram sempre em crescendo, apesar do ligeiro inclinar da estrada. Passar pelo carro de apoio parado na berma da estrada já com barbosa o corredor a cavalo, e não sentir vontade ou necessidade de parar, fez-me cerrar o punho direito e semi-erguer o braço em sinal de "estou com uma pedalada do camandro" e "sim, vou fazer isto até ao fim".
    Sentia-me drogado, anestesiado, potenciado acima das minhas forças e capacidades. Não compreendia de onde vinha tanta força (talvez uma coca-cola e mais uma sande meia-hora antes tenham ajudado), principalmente depois de tantas horas de viagem. Mas também não queria saber. Sentia-me bem, tão bem como poucas vezes me senti na vida.
    Já não era eu quem pedalava agora. Já não estava em mim naquele momento. Estava possuido e já nada me iria parar nem fazer abrandar.
    Rasgámos os ultimos km como nunca pensei que pudesse vir a acontecer. Nada de lingua de fora, nem de maca, nem pronto para o caixão. Estava novo. Novo!

    E quando finalmente tudo acabou senti uma alegria enorme, daquelas que não se sentem todos os dias. Para muitos um feito banal, para outros um feito infernal. Para mim terminar esta jornada era uma enorme satisfação. Foi o culminar e meter finalmente para trás das costas, todos os infortúnios dos tempos passados, quebrar o "monstro negro", tornar possivel o inimaginável.
   
     Não foram quinhentos nem mil ou dois mil. Foram só duzentos. Mas foi muito mais do que isso.Fé em Deus, Fé na vida.


    Os dados que pouco importam aqui

3 comentários:

  1. Grande Nuno!!

    Agora fizeste-me lembrar da minha tirada a Alcobaça, que quando cheguei à Venda das Raparigas senti que já nada me poderia parar (nem fiz a pausa que tinha planeado nem nada, lolol). A forma física é muito importante, e sem ela não terias conseguido chegar ao fim, mas é preciso ter uma enorme força de vontade para conseguir quebrar o tal "monstro negro" e tu conseguiste.

    Parabéns! Que venha o próximo "monstro" ;-)

    Abraço.

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  2. Olá, Bom Dia. Aproveito este espaço para lhe desejar um Feliz Natal, cheio de coisas boas (calculo bicicletas, peças, e afins!!!!!lol) e junto de quem mais ama. E a continuação de boas voltas e bons passeios!. Beijinhos (nesta data especial acho que não é inconveniente...)
    Susana :)

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  3. Obrigado Carlos, obrigado Susana. São de valore as vossas palavras.

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